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Decisão monocrática
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Decisão monocrática. Eventuais imagens serão suprimidas.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 4ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Autos nº. 0028191-70.2023.8.16.0182 Recurso: 0028191-70.2023.8.16.0182 RecIno Classe Processual: Recurso Inominado Cível Assunto Principal: Desvio de Função Recorrente(s): Município de Curitiba/PR JOÃO LUIZ DE CARVALHO Recorrido(s): JOÃO LUIZ DE CARVALHO Município de Curitiba/PR RECURSOS INOMINADOS. DECISÃO MONOCRÁTICA. SERVIDOR PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE CURITIBA. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. DESVIO DE FUNÇÃO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES INERENTES AO CARGO DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO. DESVIO DE FUNÇÃO CONSTATADO. RÉU QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS PREVISTO NO ART. 373, II, DO CPC. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. SÚMULA 378 DO STJ. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DOS PERÍODOS DE AFASTAMENTO NO CÁLCULO DA CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 1.656/1958. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. INSURGÊNCIA DO AUTOR. TERMO FINAL DA CONDENAÇÃO. DATA DA CESSAÇÃO DO DESVIO DE FUNÇÃO. PRECEDENTES DESTA TURMA RECURSAL. ALEGADA INCONGRUÊNCIA QUANTO À SÚMULA VINCULANTE Nº 17 DO STF. INOCORRÊNCIA. ATUALIZAÇÃO DO DÉBITO. APLICABILIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 113/2021 A PARTIR DE 09/12/2021. FIXAÇÃO EX OFFICIO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO. Trata-se de ação de cobrança, em que postula o autor seja reconhecido o desvio de função a que fora submetido, bem assim, para que a municipalidade seja condenada a indenizar o servidor por todo o período respectivo. Sobreveio decisão (proferida ao mov. 83.1 e homologada ao mov. 85.1) que julgou parcialmente procedente a pretensão autoral, para o fim de: “[…] reconhecer o desvio de função exercido pela autora de 29 de setembro de 2014 até a propositura da ação e para condenar o requerido ao pagamento da quantia correspondente às diferenças salariais entre o vencimento aferido na área de atuação de auxiliar de enfermagem, ensino médio, e na área de atuação de técnico de enfermagem – ambos do cargo de técnico de enfermagem em saúde pública – para o mesmo nível e classe da autora, com os devidos reflexos e que devem ser atualizadas mediante correção monetária pelo IPCA-E/IBGE (ADI 4357, ADI 4425 e ADI 4425 QO do STF), a partir da data de cada pagamento a menor e acrescidas de juros moratórios com base nos reajustes da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/1997 c/c art. 12, caput, I e II, da Lei 8.177/1991 – REsp 1270439 do STJ), desde a data da citação. [...]”. Insatisfeito, o Município de Curitiba interpôs recurso inominado (mov. 88.1), pugnando pela reforma da sentença monocrática, sob o fundamento de que não restou comprovado o desvio da função. Subsidiariamente, pugna para que a condenação seja limitada aos períodos em que a recorrida tenha efetivamente exercido atividades privativas do cargo de Técnico de Enfermagem, excluindo-se períodos em que esteve ausente do ambiente laboral, como período de férias, licenças e faltas. Por sua vez, a parte autora insurgiu-se contra a sentença (mov. 89.1), buscando a reforma da sentença no tocante ao reconhecimento da indenização devida em virtude do desvio de função até o momento em que o Município cesse o desvio de função, e não somente até a data da propositura da demanda, bem como no que tange à incidência de correção monetária e juros de mora no período de graça constitucional. Contrarrazões apresentadas por ambas as partes. (movs. 98.1 e 99.1). É, em síntese, o relatório. Decido. A presente decisão encontra fundamento na Súmula 568 do STJ, sendo igualmente aplicável o disposto nos Enunciados 102 e 103 do FONAJE. Considerando o preenchimento dos requisitos de admissibilidade dos recursos inominados interpostos por ambas as partes, deles conheço, passando à análise das teses arguidas nos petitórios em questão. A controvérsia recursal aduzida pelo Município cinge-se a verificar a ocorrência de desvio de função nas atividades exercidas pelo autor. Das provas coligidas aos autos, extrai-se que o autor atua junto à Unidade de Pronto Atendimento, com escala rotativa, executando atividades diárias de avaliação de riscos de pacientes, curativos, vacinas, exames diversos, labor em farmácia, sala de urgência amarela e vermelha, internamento, entre outras. É evidente a ocorrência do desvio de função suscitado, na medida em que inexiste diferenciação entre as atividades de ambos os cargos no cotidiano, circunstância que é suficiente para comprovar que não se trata somente de “similaridade de algumas atribuições”, mas de identidade integral de todas as atividades exercidas entre os auxiliares e os técnicos de enfermagem, bem como da escala de trabalho. Ademais, como bem pontuado pelo sentenciante a quo “a própria diferenciação entre áreas de atuação em um mesmo cargo aponta uma distinção de atividades atribuídas a cada área, e o Decreto Municipal n. 69/2016 as define.” Destaco, do mesmo modo, o esclarecimento do juízo singular, no sentido de que “há desvio de função quando o servidor público desempenha funções alheias ao cargo para o qual foi originariamente provido e que gera a este o direito ao pagamento das diferenças salariais correspondentes ao período em desvio”. Portanto, entendo que cabia ao réu apresentar prova em sentido contrário, ônus do qual não se desincumbiu, nos termos do artigo 373, II, do CPC, razão pela qual são devidas as diferenças salariais postuladas, a teor da Súmula 378 do STJ. Ainda, não se desconhece o entendimento desta Turma Recursal no sentido de que o direito à diferença remuneratória se limita ao período em que o servidor público comprovadamente esteve em desvio de função, o que exclui os períodos de afastamento, no qual não há exercício da atividade. No entanto, o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Curitiba (Lei Municipal nº 1656/1958) prevê em seu artigo 82 que: “Art. 82. Serão considerado de efetivo exercício para os efeitos do Art. anterior os dias em que o funcionário estiver afastado do serviço em virtude de: I - férias e licença prêmio; (...) VII - licença ao funcionário acidentado em serviço ou atacado de doença profissional; VIII - licença à funcionária gestante; (...) XI - licença para tratamento de saúde até oito dias por ano, contados dentro do ano civil.” Na hipótese, havendo expressa previsão legal no sentido de que os dias de afastamento do servidor são considerados como de efetivo exercício, imperioso que o pagamento do desvio de função se estenda também a este período, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Sobre o tema, destaco o seguinte precedente: RECURSO INOMINADO. SERVIDORA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE CURITIBA. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. ALEGADO DESVIO DE FUNÇÃO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES INERENTES AO CARGO DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM. DEPOIMENTOS COLHIDOS EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. DESVIO DE FUNÇÃO CONSTATADO. RÉU QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS PREVISTO NO ART. 373, II, DO CPC. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. SÚMULA 378 DO STJ. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DOS PERÍODOS DE AFASTAMENTO NO CÁLCULO DA CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 1.656/1958. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. MODIFICAÇÃO DOS ÍNDICES DE ATUALIZAÇÃO DO DÉBITO EX OFFICIO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 4ª Turma Recursal - 0003427-25.2020.8.16.0182 - Curitiba - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS ALDEMAR STERNADT - J. 06.07.2023). Por outro lado, insurge-se o autor acerca da verificação do termo final da condenação, decorrente do reconhecimento do desvio de função, bem como em relação ao período de graça constitucional. De acordo com os precedentes desta Turma Recursal, uma vez reconhecido o desvio de função e o dever de pagamento das diferenças salariais respectivas, é certo que os pagamentos devem ser realizados até cessar o desvio, não se tendo notícia desta hipótese nos autos. A propósito: DECISÃO MONOCRÁTICA. SERVIDORA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE CURITIBA. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. DESVIO DE FUNÇÃO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES INERENTES AO CARGO DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM. DESVIO DE FUNÇÃO CONSTATADO. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. SÚMULA 378 DO STJ. SENTENÇA PROCEDENTE. INSURGÊNCIA DA AUTORA. TERMO FINAL DA CONDENAÇÃO. DATA DA CESSAÇÃO DO DESVIO DE FUNÇÃO. PRECEDENTES DESTA TURMA RECURSAL. ALEGADA INCONGRUÊNCIA QUANTO À SÚMULA VINCULANTE Nº 17 DO STF. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. MODIFICAÇÃO DOS ÍNDICES DE ATUALIZAÇÃO DO DÉBITO DE OFÍCIO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 4ª Turma Recursal - 0026644- 34.2019.8.16.0182/1 - Curitiba - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS ALDEMAR STERNADT - J. 18.05.2023). RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA. FAZENDA PÚBLICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE AUTORA. SERVIDOR PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE CURITIBA. DESVIO DE FUNÇÃO RECONHECIDO. AUXILIAR DE ENFERMAGEM QUE ATUOU COMO TÉCNICO DE ENFERMAGEM. CONTROVÉRSIA RECURSAL ACERCA DO TERMO FINAL DA CONDENAÇÃO. DIREITO AO RECEBIMENTO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS QUE PERMANECE ENQUANTO DURAR O DESVIO DE FUNÇÃO. TERMO FINAL. DATA DE CESSAÇÃO DO DESVIO DE FUNÇÃO. PRECEDENTES DESTA TURMA RECURSAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (...) 2. As parcelas devidas a título de desvio de função possuem natureza remuneratória, pois correspondem a uma contraprestação pelos serviços realizados, com feição salarial, que representam valores que deveriam ser pagos ao servidor público se ele efetivamente ocupasse o cargo paradigma. Assim, é devida a retenção de contribuição previdenciária e imposto de renda sobre tais verbas. Precedente: (TRF4, AC 5008068-21.2018.4.04.7000, Quarta Turma, Relatora Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 11/09/2020). (TJPR - 4ª Turma Recursal - 0051346-78.2018.8.16.0182/1 - Curitiba - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS LEO HENRIQUE FURTADO ARAUJO - J. 15.08.2022). No que tange ao pedido relativo à Súmula Vinculante nº 17, esta é expressa ao estipular que “Durante o período previsto no parágrafo 1º do art. 100 da Constituição Federal, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”. Tal período refere-se aquele compreendido entre a expedição do precatório e o seu pagamento. Nesse passo, o §5º do artigo 100 da CF determina que a atualização monetária do crédito requisitado se dará no ensejo do pagamento, e não em momento anterior a este. Sendo assim, em que pese a Súmula não se refira de forma expressa à correção monetária, é incontroverso que tal atualização só incidirá no momento do pagamento do precatório, razão pela qual não verifico incongruência na decisão quanto ao tema. Por fim, de ofício consigno que eventuais parcelas vencidas após 09/12/2021, deverão ser atualizadas exclusivamente pela variação da SELIC (que contempla juros e correção monetária em um único índice), ante a vigência da Emenda Constitucional nº 113/2021, observado o período de graça constitucional. Ante o exposto, deve a sentença ser parcialmente reformada para o fim de reconhecer que o termo final da condenação deve ser a data que efetivamente cessou/cessar a condição do desvio de função, bem como para, de ofício, fixar o índice de atualização do débito supramencionado. Destarte, conheço e dou parcial provimento ao recurso da parte autora, e nego provimento ao recurso do réu. Diante da sucumbência, condeno o Município de Curitiba ao pagamento de honorários advocatícios, em 20% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 55 da Lei n.º 9.099/1995. Custas indevidas. Quanto ao autor, condeno-o ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, conforme disposto no art. 55 da Lei 9.099/1995, suspensa a exigibilidade ante a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Publique-se. Diligências necessárias. Curitiba, 27 de outubro de 2023. Aldemar Sternadt Magistrado
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